quinta-feira, 26 de maio de 2011

MAIS DUAS MORTES....ATÉ QUANDO IREMOS SUPORTAR?

Mais duas mortes compõe a triste estatística de violência no campo no Estado do Pará. O que se espera, é que as mesmas não aumentem os números da impunidade. Reproduzo neste espaço, nota do ICMBio-Coordenação de Belém-Pa sobre o duplo assassinato.


Nota da Coordenação Regional do ICMBio em Belém do Pará sobre o Crime em Nova Ipixuna: “Mataram o Zé e a Dona Maria!”

Foi com muito pesar e indignação que a equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) recebeu a notícia do assassinato covarde de José Cláudio Ribeiro da Silva e sua esposa Maria do Espírito Santo, no dia 24 de maio de 2011, no Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta-Piranheira, em Nova Ipixuna (PA). Somos solidários à família, extrativistas e agricultores da região e esperamos que as autoridades policiais cumpram adequadamente seu papel, descobrindo quem foram os responsáveis por tamanha barbaridade e que estes sejam levados à justiça. Esperamos que toda a cadeia de comando envolvida neste crime seja desarticulada e presa.
O enfrentamento realizado por estas lideranças sociais soma-se à difícil tarefa que várias instituições públicas e da sociedade civil tem tentado executar, não apenas na Amazônia, mas em todo o Brasil. Lutar contra as forças políticas e econômicas que lucram com o desmatamento ilegal e com a grilagem de terras significa se expor à mira de grupos criminosos. Infelizmente, o Estado ainda não consegue proteger aqueles que se levantam contra tais interesses, reagindo somente após o derramamento de sangue.
As mesmas mãos que assassinam e intimidam lideranças dos movimentos sociais também tentam, por coação, ameaças e violência, frear o trabalho de servidores do ICMBio e IBAMA. Nossos sinceros abraços, com a certeza de que lutamos por valores em comum, pela sustentabilidade ambiental e social com qualidade de vida e direito aos territórios dos agricultores familiares, extrativistas e demais populações tradicionais.
ICMBio/CR4-Belém. Em 25 de maio de 2011.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

UMA ABORDAGEM SOBRE OS REGISTROS DE IMÓVEIS DO ESTADO DO PARÁ

Recebi o convite para escrever o artigo abaixo com o professor doutor José Heder Benatti, recentemente publicado na Revista Leitura da Escola da Magistratura do Estado do Pará.
O texto traz uma abordagem  a respeito da decisão do Conselho Nacional Justiça, sobre os registros de imóveis nos Cartórios de Registro de Imóveis do Estado do Pará, e aponta um caminho viável para a resolução deste grave problema.
Fica a leitura para os leitores do blog. Contribuições são sempre oportunas!


POSSIBILIDADE JURÍDICA DO CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DE MATRÍCULAS DE IMÓVEIS RURAIS: REPERCUSSÕES NO PARÁ[1]

José Heder Benatti*
Rogério Arthur Friza Chaves**


Resumo: O texto discute a importância do cancelamento administrativo de matrículas de imóveis rurais para combater a grilagem de terra. Busca descrever o contexto jurídico de apropriação ilegal do patrimônio público, a definição jurídica de grilagem e como as terras públicas passaram através de mecanismos ilícitos para as mãos de particulares, pessoas físicas e jurídicas, com grave lesão para os Estados e a União. Descreve, ainda, outras ações utilizadas pelo Estado para combater a apropriação ilegal de terra pública. Por último, analisa a decisão do Conselho Nacional de Justiça pelo Cancelamento Administrativo e a sua legalidade.

Palavras-chave: Propriedade. Registro de imóvel. Cancelamento administrativo. Grilagem-Amazônia.



1 INTRODUÇÃO

              Na Amazônia, onde a posse e a violência rural são elementos de acesso à terra e aos recursos naturais, a consolidação da propriedade rural deve ser considerada uma política importante de consolidação da democracia, de respeito aos direitos humanos e de proteção ambiental.
              A privatização ilegal de terras públicas na Amazônia é uma preocupação do Estado e da sociedade brasileira, pois viola normas ambientais, agrárias, civis, penais e tributárias, em uma lógica que leva à apropriação e à concentração dos recursos naturais e financeiros de forma ilícita.
              Considerando que no ordenamento jurídico brasileiro não existe uma definição jurídica de “grilagem” [2], poder-se-ia adotar a consagrada pelo Livro Branco da Grilagem: “toda ação ilegal que objetiva a transferência de terras públicas para o patrimônio de terceiros constitui uma grilagem ou grilo”. (BRASIL, 1999, p. 12).
              Essa prática ilícita é favorecida pela vasta e confusa gama de documentos expedidos nestes cinco séculos pelo Poder Público colonial, imperial e republicano: Cartas de Sesmaria (confirmadas ou não), Registros Paroquiais ou Registros do Vigário, Registros deTorrens, Títulos de Posse, Títulos de Legitimação, Títulos de Propriedade, Títulos Provisórios, Títulos Definitivos, Título de Arrendamentos, Título de Aforamentos, Título de Ocupação, Títulos Coloniais, Títulos de Ocupação de Terras Devolutas, Licenças de Ocupação, Autorizações de Detenção, Título de Doação, Contratos de Alienação de Terras Públicas, entre outros. Nem todos esses títulos eram instrumentos hábeis para transferir o domínio do patrimônio público para o particular, mas foram levados a registro como tais.
              Entre os documentos listados o Título de Posse é, sem dúvida, o mais importante porque permaneceu em vigor durante mais de um século e o Governo do Estado do Pará expediu sessenta mil títulos.[3] Para que esses títulos transferissem o domínio deveriam ser legitimados, isto é, seu beneficiário deveria comprovar a efetiva utilização, demarcação e pagamento do Valor da Terra Nua (VTN). Equivocadamente, centenas desses títulos foram indevidamente levados a registro, sem que tivessem sido cumpridas as exigências legais.
              O combate contra a apropriação ilegal da terra não é novo. Ainda em 9 de setembro de 1977, o Corregedor Geral de Justiça do Estado do Pará editou o Provimento n.º 2 que determinava: “Todo e qualquer título de propriedade ou posse constante como expedido pelo Governo do Estado do Pará, que for levado a cartório de Registro de Imóveis para matrícula, registro ou averbação de qualquer ato, deverá ser considerado falso até prova em contrário”. (Grifos nossos). Esse Provimento comprova a gravidade da situação fundiária existente no Estado do Pará, que perdura até hoje.
              Em 2001, o Congresso Nacional criou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Grilagem da Terra na Região Amazônica, que buscou investigar diversos acontecimentos envolvendo a apropriação indevida e ilegal de extensas áreas de terra pertencentes ao patrimônio público. Sem ter o devido respaldo documental, essas terras passaram, através de mecanismos ilícitos, para as mãos de particulares, pessoas físicas e jurídicas, com grave lesão para os Estados e a União. Nessa CPI (BRASIL, 2002) diversas irregularidades foram apontadas, tais como:
              a) registro de títulos de domínio sem a devida comprovação do destaque daquele imóvel do patrimônio público;
              b) duplicidade de registro de matrícula de imóveis, fazendo com que as mesmas terras fossem multiplicadas em inúmeras áreas (através do subterfúgio do desmembramento ilegal), as quais, por sua vez, recebiam novas matrículas, quer pela abertura de matrícula da mesma gleba em livros diferentes, quer em cartórios de comarcas diferentes;
              c) aceitação do registro de imóveis constantes em sentenças de partilha de bens que não apresentavam as correspondentes provas dos títulos de domínio e que não estavam matriculados no correspondente cartório, tendo sido, assim, legitimados títulos sem nenhum valor ou simples posses;
              d) registro de averbações ou abertura de novas matrículas, correspondentes a demarcatórias de glebas, sem autorização judicial e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), alargando-as e/ou determinando novos confinantes, em dimensões exorbitantes;
              e) registro de escrituras de compra e venda e outros pretensos títulos de domínio emitidos, com uma antiguidade de vinte ou mais anos, por tabeliães de comarcas de estados diferentes, documentos não amparados por título de domínio legítimo, alguns deles formando uma cadeia dominial baseada em escrituras de mais de cem anos, cuja origem estaria na emissão de sesmaria;
              f) registro de imóveis, supostamente registrados em outra comarca, sem o respaldo da correspondente certidão do respectivo cartório;
              g) lavratura de escrituras de compra e venda e consequente registro no cartório de registro de imóveis, de que constam, como compradores, pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, em condição contrária à legislação em vigor;
              h) lavratura de escrituras de compra e venda pelos tabeliães que, além de apresentar os defeitos descritos na letra anterior, apresentam como agravante o fato de que pelo menos uma das partes não esteve presente ao ato, nem os documentos e/ou antecedentes pessoais correspondiam ao ausente;
              i) lavratura de escrituras de compra e venda e consequente registro em cartório de registro de imóveis, tendo o transmitente, comprovadamente, falecido há muitos anos;
              j) emissão de laudos de avaliação de glebas por oficiais registradores;
              l) matrícula de imóveis, supostamente registrados em outra comarca, sem o respaldo da correspondente certidão do respectivo cartório;
              m) lavratura de escrituras de compra e venda pelos tabeliães, com a transferência de glebas sem indicação da matrícula de origem e sem preencher as condicionantes fixadas em lei, permitindo-se, assim, que oficiais registradores levassem ao registro imóveis que sequer estavam matriculados.
              A Assembleia Legislativa do Estado do Pará já tinha se ocupado dessa problemática em setembro de 1999, quando analisou a apropriação ilegal de mais de quatro milhões de hectares de terras na região do Xingu por parte da empresa C.R. Almeida. (PARÁ, 1999).
              Todas as irregularidades citadas anteriormente são tentativas de legalizar arbitrariamente o domínio de terras, ou seja, são diferentes mecanismos utilizados para grilar o patrimônio público. A grilagem é entendida como a tentativa de legalizar o domínio da terra através de documento falso. Também é compreendida como a apropriação ilícita de terras por meio da expulsão de pequenos ocupantes e índios das terras públicas. Trata-se, pois, de uma série de mecanismos de falsificação de títulos de terra e matrículas irregulares de áreas rurais, negociações fraudulentas, chantagens e corrupções que têm envolvido o Poder Público e os entes privados.
              Para superar o atual caos fundiário foram necessárias diversas ações no âmbito do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, pois a institucionalização da propriedade privada se constitui também em uma condição para a consolidação de um modelo democrático e participativo de distribuição e de gestão da terra e dos recursos naturais e, consequentemente, de proteção do meio ambiente.
              É nesse contexto que deve ser analisado o cancelamento administrativo de matrículas irregulares de imóveis rurais, tal como previsto na decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de anular cerca de cinco mil registros imobiliários de áreas rurais, no Estado do Pará, medida assinada em agosto de 2010.

2 AS AÇÕES DO ESTADO NO COMBATE À GRILAGEM DE TERRAS

              O Pará é formado por 144 municípios, em uma área de aproximadamente 124 milhões de hectares. Desse total, 60 milhões e 756 mil hectares são terras destinadas à proteção ambiental estadual e federal (Florestas Públicas, Parques, Reservas Extrativistas etc.) e áreas indígenas. As áreas que podem ser regularizadas são as terras que não foram afetadas para algum uso (público ou privado); atualmente, são quase 30 milhões de hectares sob jurisdição federal e aproximadamente 20 milhões de hectares sob jurisdição estadual. Um levantamento preliminar do Instituto de Terras do Pará (ITERPA), em 2008, estimou em onze milhões de hectares as áreas privadas, ou seja, tituladas no estado.
              No âmbito federal e estadual foram tomadas medidas concretas para superar o atual caos fundiário e a ocupação irregular do patrimônio público, tais como a aprovação da Lei Federal n.o 11.952, de 25 de junho de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal, e também a da Lei Estadual n.o 7.289, de 24 de agosto de 2009, que regulamenta a alienação e legitimação de ocupação das terras públicas pertencentes ao Estado do Pará.
              Na realidade, as leis estadual e federal de regularização fundiária estão inseridas em um novo contexto político, onde os órgãos públicos agrários estaduais e federais (ITERPA e INCRA), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), o Instituto Chico Mendes da Biodiversidade e a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará atuam em parceria para combater a grilagem e o desmatamento.
              A política de regularização fundiária apresentada pela União e pelo Estado do Pará busca fazer a transição entre a insegurança e dúvida jurídica para o controle dos bens públicos e a segurança do direito de propriedade. Uma transição que não se contenta em somente entregar títulos de terra, mas visa também consolidar a política de ordenamento territorial, priorizando a ocupação familiar pelas populações tradicionais e o respeito pelo meio ambiente. Trata-se de uma política propositiva porque cria regras de controle e transparência, pactuadas entre os diferentes atores sociais (Governos Federal, Estadual, Municipal e sociedade civil). Desse modo, a institucionalização da propriedade privada constitui-se também numa condição para a consolidação de um modelo democrático e participativo de distribuição e de gestão da terra e dos recursos naturais. Com isso, busca-se conciliar os princípios da produção agrária com os da proteção ambiental.
              Ao contrário do que ocorria no passado, hoje temos mecanismos de controle público: a exigência do georreferenciamento dos imóveis rurais, o cadastro ambiental rural, o licenciamento das atividades agrárias e o zoneamento ecológico-econômico. No final do processo de regularização fundiária, a fronteira estará “fechada”, porque os espaços públicos deverão ser destinados à proteção ambiental ou a atividades agroambientais. Engana-se quem espera que, no futuro, ocorram novas regularizações.
              Outras medidas estão sendo tomadas no âmbito do estado para melhorar o acesso à informação e aumentar o controle sobre o patrimônio público e privado. Está em pleno curso a digitalização do arquivo fundiário do ITERPA e do INCRA, que vai transformar de forma notável o atual arquivo fundiário do Pará, permitindo o mapeamento completo da situação das terras públicas e particulares existentes no estado. Espera-se que o trabalho esteja concluído em fevereiro de 2011.
              A concretização do projeto vai modernizar o fluxo operacional, armazenamento, gerenciamento e distribuição das informações fundiárias do estado, e foi tornado possível graças ao convênio firmado entre o Governo do Estado do Pará e o INCRA, tendo sido investidos R$ 5,5 milhões. Além da instalação de um banco de dados corporativo, a digitalização vai permitir a implantação de base cartográfica estadual, sistematização do acervo fundiário federal e estadual e a disponibilização de informações relativas a limites político-administrativos, terras indígenas, unidades de conservação federal e estadual, infraestrutura de transporte, as quais poderão ser acessadas por instituições públicas e privadas, assim como por cartórios de registros de imóveis.
              A modernização do acesso às informações de todos os cartórios de registros de imóveis existentes no Pará é outra medida que contribuirá decisivamente para a sistematização dos dados nessa área. Sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal de Justiça do Pará, a modernização do sistema registral será concretizada devido ao convênio entre o Ministério de Desenvolvimento Agrário, INCRA e ITERPA, que disponibilizou R$ 8 milhões e meio para esse fim. Também foi assinado no dia 3 de fevereiro, em Brasília, um importante Acordo de Cooperação Técnica entre a União, por intermédio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Conselho Nacional de Justiça, da Advocacia Geral da União e do INCRA, o Estado do Pará, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará e o ITERPA para a adoção de ações conjuntas relacionadas ao processo de regularização fundiária e à modernização do sistema registral no Pará. A previsão é de que o trabalho comece até dezembro de 2010 e termine no prazo de um ano.[4]
              O projeto que está sendo elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal de Justiça do Pará, com o apoio do ITERPA, INCRA e Ministério do Desenvolvimento Agrário não se limita apenas a facilitar o acesso às informações dos cartórios, mas pretende também possibilitar a capacitação técnica e a reciclagem profissional dos atores envolvidos com o registro de imóveis, a recuperação dos documentos danificados e a regulamentação do sistema registral, a fim de orientar os cartórios na nova dinâmica de registros introduzida pela legislação.[5]
              Todas essas medidas são importantes para combater a grilagem de terra e a insegurança jurídica, mas é preciso avançar e superar os problemas das matrículas falsas de imóveis rurais existentes nos cartórios.

3 A DECISÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA PELO CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO

              Uma das medidas mais importantes para combater a grilagem de terras públicas foi adotada pela Desembargadora Osmarina Onadir Sampaio Nery, Corregedora de Justiça das Comarcas do Interior, com a edição do Provimento n.o 13, de 21 de junho de 2006. A medida determina a averbação de bloqueio de todas as matrículas de imóveis rurais nos Cartórios de Registro de Imóveis das Comarcas do Interior, que tenham sido registradas em desacordo com os mandamentos constitucionais[6].
              Em 2007, o Tribunal de Justiça do Pará instituiu uma comissão para acompanhar os processos relacionados à ocupação da terra que possam caracterizar grilagem, promover estudos sobre a questão fundiária, propor medidas que visem o ordenamento fundiário e que inibam as ações fraudulentas para a obtenção da posse e propriedade de grandes áreas rurais. Ela foi denominada Comissão Permanente de Monitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas à Grilagem e é composta por representantes de diferentes segmentos da sociedade civil -Tribunal de Justiça, Procuradoria Geral do Estado, ITERPA, INCRA, Ministério Público Federal e Estadual, Advocacia Geral da União, Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Pará, Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI), Federação da Agricultura do Pará (FAEPA), Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e Comissão Pastoral da Terra[7].
              Um dos trabalhos realizados pela comissão foi solicitar aos Cartórios de Registro de Imóveis do Estado a listagem das propriedades matriculadas acima de 2.500 (dois mil e quinhentos) hectares. Na análise da documentação enviada, foram encontrados registros de imóveis rurais que são frutos de erros de escrituração, com vírgulas no lugar errado, mas que “privatizavam” milhões de hectares. O caso mais conhecido nacionalmente é o do título expedido pela Prefeitura Municipal de Altamira em favor de Pedro Andrade Melgaço, onde consta uma área de 410.000.000,00 (quatrocentos e dez milhões de hectares), isto é, mais de três vezes a área do Pará. Na realidade, trata-se de um título urbano de 4ha1ac (quatro hectares e um acre). O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) imediatamente providenciou o cancelamento administrativo da matrícula 178 assentada no registro de imóveis de Altamira. O conselho entendeu que é nulo de pleno direito o registro de área equivalente a 410 milhões de hectares, materialmente incompatível com a matrícula de origem, por se tratar de vício registral que ofende o princípio da disponibilidade e porque se verificaram, também, vícios insanáveis no que tange à continuidade e à especialidade.
              Outras irregularidades foram encontradas na documentação enviada pelos cartórios. Entre os registros sem permissão legal, destacam-se o registro de títulos provisórios, títulos de posse, títulos intendenciais, escritura de compra e venda de benfeitorias e de cessão de posse, escritura particular, escritura de posse, cessão ou adjudicação de direitos hereditários de imóveis que são posses, escritura pública de compra e venda, autorização ou licença a título precário e contratos de arrendamento. O agravante é que, nas informações enviadas pelos cartórios, há milhares de registros de imóveis rurais em que não constam dados sobre o título de origem.
              No levantamento realizado, verificou-se a existência de 5.398 matrículas com áreas superiores ao limite constitucional, sem que tenha sido apresentada a autorização do Senado ou do Congresso Nacional ou outro motivo que justifique o tamanho do imóvel rural. A somatória desses títulos equivale a 72.417.605 hectares[8], lembrando que a área total do estado é de 124 milhões de hectares. O trabalho da comissão comprovou que era correta a previsão de um dos “considerando” do Provimento 13/2006, isto é, a existência de vários municípios cuja área territorial é inferior àquela registrada.
              Para combater a grilagem, em 2009 a comissão sugeriu ao Tribunal de Justiça do Pará a possibilidade de adotar o cancelamento administrativo das matrículas irregulares, caso a caso, pela Corregedoria das Comarcas do Interior. A proposta não foi aceita, o que levou algumas entidades da Comissão a recorrer ao CNJ.
              Diante da solicitação de diversas entidades[9], o CNJ acolheu o Pedido de Providências n.o 0001943-67.2009.2.00.0000 para cancelar os registros imobiliários de áreas rurais do Estado do Pará. A medida foi assinada pelo Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Gilson Dipp, em 16 de agosto de 2010.
              Com o registro cancelado, a pessoa fica impedida de vender a propriedade ou utilizá-la como garantia em transações bancárias, por exemplo, até que a situação da propriedade seja regularizada.
              É no contexto atual do sistema registral do Pará que deve ser analisada a decisão do Corregedor Nacional de Justiça. Dela podemos destacar algumas conclusões importantes: a) cabe ao particular comprovar que a matrícula teve origem num título que efetuou o destaque daquele imóvel do patrimônio público; b) diante de uma pretensão de particulares, na dúvida, deve prevalecer a presunção de domínio público, partindo do pressuposto legal de que ao particular é que cabe a prova de seu domínio; c) havendo possibilidade de cancelamento administrativo, devem ser tomadas as providências necessárias para assegurar os registros e matrículas válidos, editando-se orientações aos cartórios para cancelar os registros e matrículas irregulares; d) o cancelamento do registro e matrícula não implica a perda ou descaracterização da posse de quem regularmente a exerça com base no título afetado; e) o cancelamento administrativo não alcança os títulos de terra legitimamente emitidos pelo Estado ou União.
              Portanto, devem ser canceladas as matrículas inequivocamente incompatíveis com a legislação constitucional e infraconstitucional.

4 A CONSTITUCIONALIDADE DO CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO

              O Conselho Nacional de Justiça exerce, no âmbito de sua competência, o chamado controle externo do Poder Judiciário, mormente no que concerne a sua atividade administrativa. Nela está inserida a competência do judiciário de exercer controle e fiscalização da atividade notarial e registral no Brasil, segundo preceitua o artigo 236, § 1.º, da Constituição Federal de 1988.
              O cancelamento somente incidirá nas matrículas imobiliárias e não sobre os títulos de terras que lhes deram origem. Daí já se extrai a primeira e importante diferença entre títulos de terras e matrículas imobiliárias efetivadas a partir desses títulos. A Lei n.o 6.015/1973 indica essa diferença quando separa os dois institutos em capítulos distintos, conforme se pode verificar no capítulo V, que trata dos títulos (art. 221 a 226), e no capítulo VI, que se refere às matrículas (art. 227 e seguintes).
              De acordo com a referida lei, títulos são os documentos que podem ser levados a registro como prova de transferência de propriedades imobiliárias, considerando a solenidade necessária para a concretização desse ato jurídico; a matrícula seria a prova e concretização do direito de propriedade para que esse direito possa, inclusive, ser exercido erga omnis, ou seja, um direito real.
              Portanto, títulos seriam os documentos a que a lei atribui aptidão para transferir propriedade. Entre esses documentos, o que mais nos interessa, por ora, é o descrito no artigo 221, inciso V, da Lei n.o 6.015/1973, que diz respeito aos “contratos ou termos administrativos, assinados com a União, Estados e Municípios no âmbito de programas de regularização fundiária, dispensado o reconhecimento de firma” que seriam os denominados títulos de propriedade, documentos hábeis a destacar e transferir um imóvel público rural ou urbano para o particular.
              Desse modo, o Corregedor Nacional de Justiça decidiu permitir o cancelamento de matrículas imobiliárias cujos títulos não tenham obedecido aos parâmetros constitucionais e legais para o aperfeiçoamento do ato. Destarte, a decisão não se deu para anulação de títulos, mas de matrículas, permanecendo válido o documento de transferência.
              Sem embargo, a decisão chama a atenção e nesse aspecto reside a sua maior importância, não só pelo fato de tornar possível o cancelamento de matrículas imobiliárias pela via administrativa, mas igualmente por colocar à prova a higidez do negócio jurídico causal que deu origem à matrícula.      
              Com efeito, não basta que a matrícula tenha se dado a partir dos casos especificados no artigo 221 da Lei de Registros Públicos[10], pois é necessário que o registrador verifique a observância dos procedimentos legais para a própria formação do título.
              Por outro lado, considerando que o mandamento da decisão do CNJ fundamentou o cancelamento da matrícula pela via administrativa, o vício na expedição do título – in casu por extrapolar o limite constitucional sem a necessária autorização do Congresso Nacional –, abarcou todas as situações em que não se verificou determinado procedimento legal para sua expedição, assim como os casos não especificados no artigo 221, da Lei n.º 6.015/1973.
              Esse aspecto da decisão deverá levar o Poder Público (federal, estadual e municipal) à revisão dos títulos de terras que expediu, o que, aliás, desde a edição da Carta Magna de 1988, já era um obrigação imposta a esses entes, conforme se pode verificar no artigo 51, da ADCT, da Constituição Federal de 1988.[11]
              A recente decisão do CNJ dá ao Poder Judiciário a oportunidade de rever os atos de registro de matrículas imobiliárias, e ao Executivo, de reconsiderar os atos administrativos destinados à transferência de seu patrimônio ao particular.
              No entanto, essa atuação deverá se dar com critérios bem definidos, pois situações diferentes necessitarão de medidas também distintas para que se alcance a segurança jurídica e o respeito às situações consolidadas legalmente.
              No debate sobre a validade do ato administrativo e se é possível graduar o que não é válido, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello adverte que, muito embora não haja níveis de invalidade de atos administrativos permitindo afirmar inexistirem atos mais inválidos que outros, há reações mais ou menos radicais do Direito ante as várias hipóteses de invalidade: “a ordem normativa pode repelir com intensidade variável, atos praticados em desobediência às disposições jurídicas, estabelecendo, destarte uma gradação no repúdio a eles”. (MELLO, 2006, p. 429).
              Nestes termos, no que respeita aos títulos expedidos pelo Estado do Pará e às matrículas imobiliárias havidas como irregulares, será imprescindível o necessário enquadramento dos vícios à clássica distinção oferecida pela doutrina administrativista entre os atos nulos, anuláveis e os inexistentes, pois, a partir desse enquadramento, será possível chegar à medida adequada a ser adotada.
              Em relação aos atos administrativos viciados, a doutrina administrativista divide-se em três correntes principais: a que defende que o vício sempre levará à nulidade do ato; a que aplica ao Direito Administrativo a doutrina civilista, distinguindo os atos nulos dos anuláveis; aquela que acresce aos atos nulos e anuláveis os atos meramente irregulares, negando, no entanto, os critérios e efeitos da teoria civilista.
              Neste trabalho adotaremos o entendimento do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello que admite a existência de atos nulos e anuláveis no Direito Administrativo, acrescendo a ele a espécie dos atos viciados, cujo vício é de tamanha gravidade que jamais prescrevem e não podem ser objeto de conversão, sendo denominados de atos inexistentes, ou seja, fora do possível jurídico.
              Para o referido autor, a diferença está na repulsa com que o Direito atinge o ato. Assim, ato nulo seria aquele cujo vício não pode ser sanado pela administração através do refazimento do ato, portanto, não convalidável. Ato anulável, de outro lado, seria o ato passível de convalidação, ao ser refeito de forma a sanar o vício anteriormente verificado. Já o inexistente seria aquele de tal modo contrário ao Direito que se albergaria no campo do impossível jurídico. Apresenta o autor a seguinte sistematização:
São nulos: a) os que a lei assim os declare; b) os atos em que é radicalmente impossível a convalidação, pois, se o mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior. [...] Atos anuláveis: a) os que a lei assim os declare, os que podem ser praticados sem vício. (MELLO, 2006, p. 446).

              Feitas estas considerações, pode-se afirmar que, tanto a análise do Tribunal de Justiça sobre as matrículas tidas como inválidas, quanto a análise do Poder Executivo sobre seus títulos eventualmente irregulares, deve-se dar sob a ótica da convalidação, condicionada ao cumprimento dos comandos normativos constitucionais e infraconstitucionais.
              Sob a ótica do referido autor, o refazimento do ato de modo válido e com efeitos pretéritos em nada ofende ao Direito, ao contrário “exatamente para bem atender a interesses públicos é conveniente que a ordem normativa reaja de maneiras díspares ante diversas categorias de atos inválidos”.(MELLO, 2006, p.440).
              Nestes termos, não se pode dar o mesmo tratamento às matrículas imobiliárias – representativas de domínio – que tenham sido levadas a efeito, a partir de documentos ou atos que jamais foram praticados pelo Estado, como no caso dos títulos falsos e falsificados por particulares, cujos registros merecem ser cancelados sumariamente, em contraponto aos títulos que, embora expedidos pelo Estado, tenham sido concedidos com algum vício formal, os quais podem ser convalidados.
              De igual modo, não se pode comparar os títulos efetivamente expedidos pelo Estado, para transferir domínio, com os chamados títulos representativos de mera posse, que não poderiam ser levados a registro porque não se trata de propriedade. Neste caso específico, não há ato que possa ser refeito pelo Estado para transformá-los em títulos representativos de domínio, por falta de previsão legal.
              Por outro lado, os títulos representativos de domínio que tenham sido expedidos pelo Estado, cujo vício tenha sido detectado, necessitam de procedimento invalidador prévio, ao passo que os demais, conforme referido anteriormente, devem ser de plano anulados, uma vez que foram levados a registro fraudulentamente.
              Nessa linha de raciocínio, Mônica Toscano Simões (2004, p. 160-161) afirma que
[...] não deve a Administração proceder, de imediato à invalidação do ato. Com efeito, entre a constatação do vício e a invalidação do ato deve transcorrer o chamado procedimento administrativo invalidador. Quer-se com isto que a invalidação de atos administrativos, mesmo quando pronunciada pela própria Administração Pública, deve observar o devido processo legal, sob pena de ofensa frontal ao sistema constitucional brasileiro.

              E por tudo, reafirma-se: situações diferentes devem exigir medidas igualmente distintas do Estado.
              Portanto, o entendimento de que são passíveis de cancelamento sumário os registros imobiliários efetuados com base em títulos inexistentes ou em duplicata de título, fundamenta-se no fato de que são nulos de pleno direito, podendo, por via de consequência, ser legitimamente desconstituídos através de decisão administrativa da Corregedoria Geral da Justiça, lastreada no artigo 1.º, da Lei n.o 6.739/79, exigindo-se apenas que tal decisão seja fundamentada em provas irrefutáveis, a teor do § 1.º do citado dispositivo.
              As bases teóricas que asseguram o cancelamento administrativo partem da compreensão de que o ato de registro é um ato jurídico administrativo e, portanto, sofre todas as consequências jurídicas (presunção de legalidade e veracidade da declaração, da imperatividade e da possibilidade de ser anulado ou invalidado pela própria administração pública) decorrentes dessa condição. Portanto, atos de registro que resultam na emissão de matrículas nulas de pleno direito podem ser anulados pelo próprio Poder Público no exercício da função administrativa.
              A suposta inconstitucionalidade da Lei n.o 6.739/79 chegou a ser arguida pela própria Procuradoria Geral da República, em 1983, com a Representação n.o 1.078-8, sob a alegação de que a citada lei violava os parágrafos 1.º, 3.º, 15, 22 e 36 do artigo 153 da Constituição Federal de 1967, com as alterações que lhe foram impostas pela Emenda Constitucional de 1969. Entretanto, por unanimidade de votos, essa pretensão foi rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal, que não vislumbrou qualquer afronta do texto impugnado aos preceitos da Lei Maior.
              Portanto, o entendimento de que são passíveis de cancelamento sumário os registros imobiliários efetuados com base em títulos inexistentes ou em duplicata de título, fundamenta-se no fato de que os mesmos são nulos de pleno direito, podendo, por via de consequência, ser legitimamente desconstituídos através de decisão administrativa da Corregedoria-Geral da Justiça, lastreada no artigo 1.º, da Lei n.o 6.739/79.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

              Na Amazônia, em particular no Estado do Pará, as condições e a precariedade dos registros de imóveis provocam grande insegurança jurídica e conflitos pela terra. Para superar a insegurança e a violência é necessário tomar medidas administrativas céleres e eficazes, como é o caso do cancelamento administrativo, colaborando de forma incontestável para o saneamento de todo o sistema registral.
              O cancelamento administrativo das matrículas de imóveis rurais fundamentadas em documentos falsos, falsificados ou insubsistentes de áreas rurais será um poderoso instrumento para sanear o sistema registral na Amazônia, quiçá no Brasil. Precisamos urgentemente superar a dúvida da validade dos registros existentes nos cartórios para dar maior segurança jurídica aos direitos de propriedade constituídos legalmente e, consequentemente, aos negócios jurídicos daí advindos. Com uma ação saneadora e rápida, todos saem ganhando: sociedade, estado e os cartórios.
              Para que o processo saneador ocorra no menor tempo possível, será necessário criar um procedimento administrativo expedito, objetivando garantir o devido processo legal e o contraditório. Não obstante, nada impede que a parte contrariada com a decisão administrativa recorra ao judiciário para assegurar o direito que compreende violado.

REFERÊNCIAS

BENATTI, José Heder. Direito de propriedade e proteção ambiental no Brasil: apropriação e uso dos recursos naturais no imóvel rural. 2003. 344 f. Tese. (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido) – Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Belém, 2003.

_____. Ordenamento territorial e regularização fundiária no Pará. Belém: ITERPA, 2008.

BENATTI, José Heder; SANTOS, Roberto Araújo; GAMA, Antonia Socorro Pena. A grilagem de terras públicas na Amazônia brasileira. Brasília: Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM); Ministério do Meio Ambiente, 2006. (Série Estudos; v. 8).

BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a Ocupação de terras públicas na Região Amazônica. Ocupação de terras públicas na Região Amazônica: relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a ocupação de terras públicas na Região Amazônica. Brasília, 2002. 641 p. (Série ação parlamentar ; n. 187).

BRASIL. Ministério da Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O Livro branco da grilagem de terras no Brasil. Brasília, 1999. 41 p.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 4. ed. Curitiba: Positivo, c2009. xxiv, 2120 p.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 1032 p.

PARÁ. Assembleia Legislativa. Comissão Parlamentar de Inquérito instituída pelo Requerimento 285/99 (C.R. Almeida). Relatório final. Belém, 1999.

ROCHA, Ibraim. Cancelamento de registro de imóveis decorrentes de nulidades, independente de ação judicial-possibilidade. Revista da Procuradoria Geral do Estado, Belém, n. 14/15, p. 37-47, jul./dez. 2006.

SIMÕES, Mônica Toscano. O processo administrativo e a invalidação de atos viciados. São Paulo: Malheiros, 2004. 256 p. (Coleção temas de direito administrativo ; 10).

TRECCANI, Girolamo Domenico. Combate à grilagem: instrumento de promoção dos direitos agroambientais da Amazônia. In: COSTA, Paulo Sérgio Weyl (Coord.). Direitos Humanos em concreto. Belém: Juruá, 2008, p. 256-282.




[1] Agradecemos as importantes contribuições do Prof. Dr. Girolamo Domenico Treccani, um dos mais atuantes juristas na defesa do cancelamento administrativo, na elaboração deste texto.
* Advogado. Doutor em Ciência e Desenvolvimento Socioambiental. Mestre em Direito.  Professor de Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA). Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Presidente do Instituto de Terras do Pará (ITERPA). jbenatti@ufpa.br.
** Procurador do Estado do Pará. Diretor Jurídico do Instituto de Terras do Pará (ITERPA). ex-Coordenador da Procuradoria Fundiária da Procuradoria Geral do Estado do Pará.

[2] Afirma-se que o termo grilo ou grilagem tem sua origem na tentativa de transformar títulos falsificados, para dar-lhes aparência de legalidade, com o emprego do inseto ortóptero – o grilo. Assim é que o Dicionário Aurélio define grileiro como sendo o “indivíduo que procura apossar-se de terras alheias mediante falsas escrituras de propriedade”. (FERREIRA, 2009 ).  Logo, a terra grilada é aquela em que o título de propriedade é falso. O mecanismo utilizado, e que acabou dando nome ao processo, era o de “comprar” dos cartórios ou de terceiro um falso título da terra e, para lhe dar uma aparência de autenticidade, colocá-lo em uma gaveta com alguns grilos. Passado algum tempo, os grilos iriam alimentar-se das bordas da escritura, expelir excrementos no documento e, assim, dar ao papel, inicialmente de cor branca, uma cor amarelada e um aspecto envelhecido. Com esse novo visual, o título de propriedade da terra daria maior credibilidade ao seu possuidor, que poderia, então, alegar já ser proprietário daquela gleba de terra há algum tempo. Atualmente, empregam-se outras tecnologias mais eficazes para conseguir o mesmo objetivo, ou seja, a falsificação de documentos.
[3] O Título de Posse foi instituído pelo Decreto 410, de 8 de outubro de 1891, e permaneceu em vigor até 31 de dezembro de 1995.
[4] Além das medidas citadas, foi assinado em 26/01/2010 o Acordo de Cooperação Técnica entre a União (MDA, CNJ, Advocacia Geral da União, INCRA) e o Estado do Pará (ITERPA), objetivando a adoção conjunta de ações relacionadas ao processo de regularização fundiária e à modernização dos cartórios no Estado do Pará.
Nesse âmbito, também foi assinado o Acordo de Cooperação Técnica n.o 082/2010 entre CNJ, TJ-PA, Escola da Magistratura do Pará, Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo e o Centro Universitário do Estado do Pará, que tem por objeto a realização de curso de especialização lato sensu em Direito Registral Imobiliário e Gestão, para capacitação de magistrados no Pará, que deriva do Acordo de Cooperação Técnica firmado em 26/01/2010, citado anteriormente.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário vai disponibilizar mais R$ 10 milhões para modernizar o sistema registral em toda a Amazônia Legal.
[5] Entre as normas recentes que introduziram modificações no regime registral, podem ser citadas, entre outras, a edição da Lei 10.267, de 28 de agosto de 2001, objetivando a incorporação de bases gráficas georreferenciadas de imóveis rurais no Registro de Imóveis para acabar com a grilagem de terras; as alterações ocorridas na Lei 9.636, de 15 de maio de 1998, que dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União; a Lei 11.481, de 31 de maio de 2007, que estabeleceu novas diretrizes para a regularização da propriedade imobiliária bem como criou novos direitos reais.
[6]A Constituição Política do Império do Brasil e a Constituição de 1891 foram omissas na determinação de um limite para alienação ou concessão de terras públicas pertencentes à União, aos Estados ou aos Municípios. A Constituição de 1934 (art. 130), a de 1937 (art. 155) e a Constituição de 1946 (art. 156, §2º) permitiram a destinação das terras públicas até o limite de dez mil hectares; acima desse valor, somente com a prévia autorização do Conselho Federal ou do Senado Federal. A Emenda Constitucional n.o 10, de 1964, reduziu de dez mil para três mil hectares a área máxima de alienação ou concessão de terras públicas sem autorização do Senado (art. 157, § 2º). A Constituição de 1967 (art. 164, Parágrafo único) manteve as mesmas condições. Já a Constituição de 1988 determinou que a alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional (art. 188, § 1º).
[7] Portaria n. 271, de 31 de janeiro de 2007 - Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
[8] Não estão computados nesses números os 410 milhões de hectares que foram cancelados pelo CNJ em setembro de 2009, matrícula 178, do livro 2A, de Vitória do Xingu.
[9] As entidades que solicitaram ao CNJ o cancelamento administrativo foram a Procuradoria Geral do Estado, o Instituto de Terras do Pará, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual, a Advocacia Geral da União, a Ordem dos Advogados do Brasil-Seção Pará, a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura e a Comissão Pastoral da Terra.
[10] Art. 221. Somente são admitidos registro: I - escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros; II - escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação;  III - atos autênticos de países estrangeiros, com força de instrumento público, legalizados e traduzidos na forma da lei, e registrados no cartório do Registro de Títulos e Documentos, assim como sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação pelo Supremo Tribunal Federal; IV - cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo. V – contratos ou termos administrativos, assinados com a União, Estados e Municípios no âmbito de programas de regularização fundiária, dispensado o reconhecimento de firmar.
[11] Art. 51. Serão revistos pelo Congresso Nacional, através de Comissão mista, nos três anos a contar da data da promulgação da Constituição, todas as doações, vendas e concessões de terras públicas com área superior a três mil hectares, realizadas no período de 1º de janeiro de 1962 a 31 de dezembro de 1987.
§ 1.º - No tocante às vendas, a revisão será feita com base exclusivamente no critério de legalidade da operação.
§ 2.º - No caso de concessões e doações, a revisão obedecerá aos critérios de legalidade e de conveniência do interesse público.
§ 3.º - Nas hipóteses previstas nos parágrafos anteriores, comprovada a ilegalidade, ou havendo interesse público, as terras reverterão ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.